10 de outubro de 2018 | Artigos

Simplificando a vida um passinho por vez

 
Tem gente que acorda um dia e decide mudar de vida drasticamente. Sai do emprego, vende as coisas, vai morar no interior ou viajar o mundo num ônibus. Tem gente que assiste um documentário e já sai vegano, fácil assim, plim. Vê um vídeo no Youtube sobre a ilha de plástico maior que a França no meio do oceano e no dia seguinte já virou #zerowaste. Assiste um episódio de Acumuladores no Discovery Channel e, pimba, taí um minimalista.
 

 

“Qual foi o clique que te fez conseguir parar de comprar?” é uma pergunta que recebo bastante – e que raramente consigo responder. Não houve clique, não houve momento de epifania, não teve mudança drástica. Embora eu quisesse simplificar a minha vida e ser menos nociva pro mundo e pra sociedade já há algum tempo, eu só realmente percebi que queria isso bem depois. Os meus primeiros passos em direção a um estilo de vida diferente não foram exatamente pensando em sustentabilidade nem em minimalismo – mas o caminho me trouxe até aqui, e agora consigo rever minha trajetória e entender como muitas dinâmicas da nossa vida são aparentemente independentes mas na verdade estão entrelaçadas; e como os mecanismos da sociedade pra manter a gente no ciclo do consumo penetram muitas áreas da nossa vida e da vida no planeta em geral.
 

Minha jornada para tentar viver com mais equilíbrio está no começo, mas já me mostrou que nosso consumo exacerbado contribui pra baixa auto-estima, pra desorganização, pra gente acreditar que precisa de coisas supérfluas, pra continuidade da ditadura da beleza e dos papéis de gênero… E mesmo que eu não tenha tido um momento de catarse e mudança radical, uma pequena mudança acaba gerando espaço pra outras – e uma vez que a gente começa a se livrar dos ruídos da propaganda, do consumo e do dinheiro fica cada vez mais difícil não querer estender a transição do estilo de vida para todo o resto das nossas rotinas.

 
Pra mim, no início, era apenas uma questão de auto-estima
 
 
Comecei a perceber o quanto dos meus esforços pra me sentir bonita tomavam meu tempo e me impediam de viver minha vida por completo.
 

 

Esmalte, maquiagem (base batom blush delineador rímel), cabelo alisado com secador e chapinha… Vários pequenos rituais que eu por muito tempo entendi como “normais”, como parte da vida de ser mulher. Mulher acorda, escova os dentes, lava o rosto passa maquiagem faz chapinha trabalha pega ônibus etc. Era como se essas camadas de máscara que eu colocava pra me sentir bem e segura frente a outras pessoas fossem parte da minha higiene, dos meus hábitos profissionais, parte do meu lazer…
 

 

A primeira coisa que eu parei de fazer, lá em 2013, foi a tal da chapinha. Entender que não há nada de errado com o jeito que meu cabelo sai da minha cabeça na época foi virada de jogo pra mim. Simultaneamente eliminei o esmalte da minha vida, algo que eu sempre odiei, que a gente gasta tempo e dinheiro pra fazer, que impede a gente de usar as mãos naturalmente e sem medo, e no dia seguinte já tá trincado e estragado, portanto feio, portanto precisando ser refeito. Que ciclo infernal, esse – passei a deixar as unhas limpas e aparadas, e é assim que me sinto bem.
 

 

Quando comecei a largar a maquiagem, passei a me achar muito mais bonita sem batom, sem base “uniformizando minha cor e escondendo minhas imperfeições”, sem aqueles produtos todos tampando meus poros e pesando na minha pele. Parei de usar lentes de contato, que me incomodavam, me davam preguiça, mas eu usava porque achava óculos esteticamente inaceitáveis por alguma razão. Comecei a apreciar a limpeza e organização do meu espaço, agora livre de todos esses artifícios que eu era convencida a consumir – ao invés de continuar apreciando gavetas e necessaires lotadas de produtos que eu usava por obrigação.
 

 

Nunca me senti tão bonita, tão eu mesma, tão leve e tão livre.
 

 

Depois virou uma reflexão sobre tudo que me incomodava na minha vida
 
 

Ao perceber que me fez tão bem me livrar de um monte de baboseira estética que eu odiava mas me forçava a usar porque achava que precisava, não soava mal começar a olhar pro resto e identificar onde mais eu podia melhorar.

Curiosamente, quanto mais eu olhava, mais eu notava que a resposta estava no mesmo movimento que tive na questão da auto-estima: me livrar de tudo que eu consumia e fazia por obrigação mas que não me beneficiava. Ou seja, vamos fazer a Marie Kondo e desapegar de tudo.

 

 

O interessante aqui foi ter a certeza cada vez maior que o desentulhar é físico e também espiritual. Conforme eu identificava todas as coisas que eu tinha que eu na verdade não queria, não gostava ou não usava, também comecei a sinalizar que tipo de vida eu queria ter e que tipo de vida eu realmente tinha. Percebi que muitos dos padrões de sucesso que eu via meus pais (e a grande maioria das pessoas) tentando alcançar desde minha infância não me traziam felicidade nem sensação de realização, então por que eu estava seguindo esse padrão? Se eu não acho que coisas me fazem feliz, por que eu tinha tantas delas? Se o jeito que meus pais e a sociedade num geral vivem não me agrada, o que me impede de ser diferente? Foi aí que comecei o processo de desentulhar minha vida, minha mente e meu espaço pessoal. As roupas, que eu sempre amei, também tinham que passar por isso.
 

 

Daí pra virar motivo pra falar de moda foi um passinho
 
 
Aplicar o minimalismo ao meu guarda-roupa foi essencial: finalmente sinto que meu estilo pessoal está claro, que minhas roupas cabem em mim, tem caimento legal e são confortáveis, combinam entre si e com meu estilo de vida. Mais do que tudo isso, elas dizem um pouco sobre mim, formam um conjunto coerente da imagem que eu quero passar. Eu passei a realmente entender como eu me visto, as escolhas que eu faço de vestuário, as escolhas que fiz no passado e porque não conseguia usar tantas das roupas que eu comprava.
 

 

Quanto mais eu desapegava das roupas, mas eu sentia uma mensagem legal nas roupas que sobravam, mais bem vestida eu me achava, e menos vontade de comprar roupas eu tinha.

 

 

 

Aí virou menos vontade de comprar tudo no geral, o que não foi difícil porque eu já tinha parado com os esmaltes e maquiagens – roupas e outras tranqueiras foi apenas a evolução natural. E foi assim que eu cheguei aqui, no meu segundo ano sem consumir supérfluos. Dois anos em que nada entra na minha casa que não seja necessário.
 

 

Já comentei que meu caminho está no começo, mas o importante é que estou caminhando – e quanto mais eu mudo, mais eu quero mudar. Uma vez que passamos a nos preocupar com o que e por que compramos, cada compra se torna muito consciente e cheia de questionamentos. Preciso disso? Tenho dinheiro para pagar sem que me atrapalhe? Tenho tempo pra sua manutenção e limpeza? Tenho espaço para guardar ou expor? Vale o preço? Como saber se vale o preço? Quanto custou para ser feito? Onde foi feito? Quem fez? Quão danoso essa produção é para o planeta e para as pessoas envolvidas? Quando começamos a nos perguntar por que comprar algo, é inevitável não passar a questionar, também, os porquês e comos da produção daquilo.
 

 

E aí, gente, fica cada vez mais difícil não aplicar esses questionamentos a tudo o que consumimos: de roupa a comida, passando por eletrônicos, móveis, redes sociais… E passar a consumir de maneira minimalista me parece a solução mais simples – se eu não sei responder todas as perguntas, melhor nem comprar. Consumir o mínimo e o necessário.
 

 

(E, ó, a grana que a gente economiza é uma belezura, viu?)
 

Texto escrito por Melody do Repete Roupa.